“Se não a polícia, o tráfico” é frase repetida na ponta da língua entre moradores das periferias, expressando a complexidade quando a gente se refere à violência contra jovens negros em Alagoas. O anuário brasileiro de segurança pública demonstra bem esse alvo: entre as mortes violentas intencionais ocorridas em 2020, 76,2% das vítimas eram negras, 54,3% jovens e 91,3% do sexo masculino. O relatório também apontou que 5.855 adolescentes de 12 a 19 foram vítimas de mortes violentas intencionais no ano passado.
Estrutural e histórico, o racismo decide o perfil de quem vai ser o próximo jovem morto, torturado, ou hostilizado. Nem precisamos ir longe nas datas. Ainda no último 25 de outubro, um adolescente de 17 anos foi morto a tiros vítima deu uma emboscada no bairro do Poço, em Maceió. Em 17 de setembro, um outro jovem de 16 anos foi morto a pedradas na Cidade Universitária. São casos e mais casos que preenchem as páginas policiais e registros de ocorrência, mas que não necessariamente chegam a ser solucionados.
Agravando esse quadro de violência contra a juventude negra temos ainda a recorrente violência policial. Em ações realizadas pelo Cedeca nas ruas, presenciamos diretamente situações similares. Quando preparávamos uma roda de conversa sobre este tema, na Terceira Praça do Jacintinho, presenciamos diretamente o episódio. Uma guarnição da Polícia Militar parou no local e, após abordagem que durou cerca de trinta minutos, tendo como alvo jovens que estavam sentados na praça conversando, alguns deles relataram as agressões verbais e físicas sofridas. Semanas antes, situação semelhante aconteceu na Praça Santa Tereza, no bairro do Vergel do Lago, quando a juventude foi literalmente afugentada por policiais. No Benedito Bentes, o que seria também uma roda de conversa sobre o tema enveredou para uma reunião mais interna sobre o caso concreto de desaparecimento de um jovem, e relatos de tortura vividos por outros que estavam presentes.
As agressões policiais, desde a abordagem constrangedora às situações de torturas, desaparecimento forçado e morte, é mais uma das expressões da violência contra jovens negros em todo o país. Em Alagoas, embora tenha existido uma redução significativa nos últimos anos na taxa de mortes violentas intencionais, quando a gente fala especificamente de jovens negros empobrecidos que residem em regiões periféricas, o cenário é de aumento de casos. Neste sentido, a violência policial também se impõe: negros são 86% dos mortos após intervenções policiais, enquanto a população autodeclarada negra (preta ou parda pelo IBGE) é de de 75,8%: vitimização de 11% a mais quando se trata da proporção populacional no Estado.
Pela polícia, pelo tráfico, na busca por trabalho, nos corredores de lojas, o racismo estrutural registrado nas estatísticas é, como reforçam os jovens articuladores do Cedeca Zumbi dos Palmares, muito mais do que dados e gráficos. Estes números são fundamentais para dimensionarmos a realidade, sim – mas é na pele que as violações são sentidas; nas ruas, praças, a caminho da escola ou do trabalho, é que elas são vistas, sofridas ou testemunhadas.
O Cedeca vem encampado desde o início deste segundo semestre a campanha “Pelo Direito de Viver Livre de Violência”. Temos enfrentado o duro debate sobre segurança pública nesta perspectiva crítica a partir de duas frentes: de um lado, buscamos articular as forças com adolescentes e jovens em escolas, praças, Ongs e diversos outros espaços onde a juventude se encontra. Nossas demandas se dividem, portanto, entre semear a organização de coletivos e grupos de base, enquanto também reivindicamos institucionalmente as ferramentas concretas para combater problemas graves sociais como este. Se é tão sabido assim que a violência contra a juventude negra, periférica e empobrecida é uma grave realidade na terra de Palmares, então que encaremos esta questão com a urgência que merece, com concretude e, portanto, com um plano.
Estamos falando de um projeto muito específico que precisa de prazos, objetivos claros, metas e monitoramento e sentido de urgência prática: o plano intersetorial de prevenção à violência contra a juventude negra. Temos ecoado esta pergunta em nossas redes sociais e virtuais, nas reuniões, e nas rodas de conversa. A pergunta também foi encaminhada para os órgãos responsáveis pela elaboração e execução do plano e por aqueles também designados a fiscalizar o cumprimento de deveres.
Neste sentido, no dia 30 de julho, protocolamos ao Ministério Público Estadual uma solicitação para que atue, a partir de suas atribuições, na proteção às vidas dos jovens negros alagoanos, no exercício das suas funções constitucionais da promoção da proteção dos interesses coletivos dos adolescentes e jovens alagoanos negros e do controle externo da atividade policial, instaurando um inquérito civil para que o a Secretaria de Segurança Pública apresente informações pertinentes às investigações de casos de homicídios contra jovens negros. A outra solicitação, esta que reforçamos aqui e também segue sem resposta, está no âmbito de políticas públicas, e trata-se de saber sobre o Plano de Prevenção à Violência contra jovens negros, periféricos e empobrecidos no Estado e, no âmbito da Prefeitura em Maceió.
Entendemos que o plano intersetorial de prevenção à violência é um instrumento importante para atuar concretamente em ações de promoção e proteção à vida da juventude. A inexistência ou indefinição acerca deste projeto revela uma fragilidade na capacidade ou disposição do Estado de construir uma resposta mais objetiva às violações e inações cometidas constantemente. Se há recursos para elaboração e execução do plano, se há setores que têm o dever de função de viabilizá-lo, reiteramos aqui, mais uma vez, que cumpram este dever. Daí partimos mais uma vez para esta pergunta: onde está o plano de prevenção? Temos algum?
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Cedeca Zumbi dos Palmares